De Magistrum
O que cremos pedagogicamente...

Se o Quod Credimus define o que cremos teologicamente, certamente o De Magistrum expõe o que cremos pedagogicamente.
Em "De Magistro", Santo Agostinho explora profundamente a natureza do aprendizado e do ensino, propondo que o verdadeiro conhecimento transcende as palavras e reside no interior do indivíduo. A figura do mestre, segundo Agostinho, não é meramente um transmissor de informações, mas um guia que conduz o aprendiz à verdade que já habita em sua própria alma. Este processo de aprendizado é, em sua essência, uma revelação divina, onde o papel do mestre se assemelha ao sacrifício simbólico do pelicano, um tema rico em significados espirituais e teológicos.
O pelicano, na iconografia cristã, é frequentemente associado ao sacrifício e à autodoação. Segundo a cultura medieval, o pelicano fere seu próprio peito para alimentar seus filhotes com o seu sangue, salvando-os da fome. Esta imagem, quando aplicada ao mestre, sugere que o ensino verdadeiro exige uma entrega total e abnegada. Agostinho vê o mestre como alguém que deve abrir-se completamente, oferecendo sua sabedoria, tempo e energia de maneira sacrificial, para que o aprendiz possa nutrir-se espiritualmente e alcançar a verdade.
Agostinho argumenta que o aprendizado genuíno é um processo interno, iluminado pela graça divina. Ele critica a mera transmissão de conhecimento factual, enfatizando que as palavras do mestre são apenas sinais que apontam para a verdade, mas não a contém em si mesmas. Em "De Magistro", Agostinho destaca que a verdadeira instrução é aquela que desperta a mente do aprendiz para reconhecer a verdade que Deus já plantou em seu coração. Assim, o mestre age como um facilitador da iluminação divina, espelhando o sacrifício do pelicano ao guiar o aprendiz em direção a uma compreensão mais profunda e íntima.
Essa perspectiva agostiniana sublinha a humildade necessária ao mestre. Ele não é a fonte da verdade, mas um servo da verdade divina. O mestre deve reconhecer sua própria limitação e dependência de Deus, pois é Deus quem, em última instância, ensina. Este reconhecimento da própria insuficiência e a confiança na ação divina são aspectos fundamentais do sacrifício do mestre. Ao fazer isso, o mestre imita Cristo, o Mestre Supremo, cujo sacrifício redentor é a fonte última de toda a verdade e sabedoria.
A pedagogia agostiniana, portanto, é inseparável de sua teologia. O aprendizado é visto como um processo teológico, onde o conhecimento humano é subjugado à sabedoria divina. O sacrifício do pelicano não é apenas uma metáfora poética, mas uma realidade espiritual que informa a prática educativa. O mestre, ao sacrificar-se, participa do amor sacrificial de Cristo, tornando-se um canal da graça divina que permite ao aprendiz encontrar a verdade em Deus.
Assim, "De Magistro" oferece uma visão profunda e sofisticada do ensino, em que a figura do mestre é intrinsecamente ligada ao sacrifício do pelicano. Agostinho nos convida a reconsiderar o papel do mestre não como um simples transmissor de conhecimento, mas como um guia sacrificial que conduz os aprendizes à iluminação divina. Este processo de ensino, enraizado na humildade e na dependência de Deus, reflete a profunda interconexão entre pedagogia e teologia na obra de Agostinho, revelando um caminho de aprendizado que é, ao mesmo tempo, intelectual e espiritual.
Conclui-se que, o aprendizado é indissociável da teologia, pois todo conhecimento vem de Deus e nos é dado por Graça.